Durante todo o desenvolvimento da mulher na sociedade, a ela são impostas repressões de comportamento que induzem, progressivamente, a submissão ao homem.
Na infância, ela é treinada, através do ensinamento dos pais, a ter comportamentos domesticados, considerados femininos e que, na idade adulta, principalmente no casamento, culminam na domesticidade, no cuidado do lar e na dependência acerca do marido. Essas designações dos papéis sociais, onde a mulher é limitada à submissão e ao lar e ao homem é dada a autoridade e a liberdade de conduta implica em uma hierarquia absolutista dos gêneros, na qual, obviamente, é o homem o detentor de todo o poder.
Ao falarmos, portanto, na concessão de poder absoluto ao gênero masculino, falamos na permissão que a sociedade dá ao homem para fazer o uso de diversos mecanismos que afirmam o referido poder dele, e rejeitam, ao mesmo tempo, a possibilidade de fraqueza. Isso significa que são normalizados o uso da força como ferramenta de repreensão e o estímulo a comportamentos abusivos de superioridade, como, por exemplo, o uso de violência em conflitos e falas constantes como “homem não chora”.
Acontece que as consequências da desigualdade de poder refletem nas condições de violência e de vulnerabilidade sofridas pelas mulheres. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mais da metade da violência sofrida pelas mulheres é cometida por homens; e dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam que uma grande porcentagem dessas agressões é cometida no próprio lar das vítimas por seus companheiros ou ex-companheiros.
Por outro lado, a nítida violência doméstica e familiar da qual a mulher se torna vítima não acontece somente pela sua condição de mulher na sociedade, mas também de mãe. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 79,9% das vítimas de feminicídio são mães. As razões que contribuem para essa situação estão relacionadas à fragilidade emocional que a mulher passa a ter com um filho e que agravam a sua dependência diante do marido agressor. Com um filho para criar, se torna mais difícil sair de casa, manter um emprego e alcançar uma independência financeira sozinha.
Como consequência dessa fragilidade e dessa dependência, o agressor passa a utilizar o próprio filho como uma forma de continuar violentando a mulher, prendendo-a cada vez mais ao ciclo de violência. Os mecanismos encontrados para isso são diversos, como ameaças — “se me deixar, eu tiro a guarda do nosso filho de você”, “se fizer isso, nunca mais verá nosso filho” — e, no Judiciário, acusações falsas de alienação parental como uma “punição” por ter feito a denúncia.
Entretanto, a violência doméstica contra a mulher não deve ser associada apenas a uma violência cometida de marido para esposa, mas de marido para todos os membros familiares vinculados a essa família. A autora Maria Berenice Dias parte do entendimento de que a família, sendo uma construção cultural, dispõe de uma estruturação psíquica na qual todos os membros ocupam uma função: o lugar da mãe, do pai e dos filhos. Nesse caso, sendo o pai o membro familiar detentor do poder, todos os outros membros se submetem à ele.
No caso da violência doméstica, embora a agressão física seja praticada diretamente contra a mãe, o filho também se torna uma vítima indireta dessa violência, vez que, ao conviver em um ambiente familiar completamente nocivo e presenciar a própria mãe sendo agredida, é submetido a uma tortura psicológica diária que acomete a sua infância e que perpetua danos emocionais, psicológicos e sociais no seu crescimento.
Neste ponto, é certo que são infringidos os direitos ao respeito e à dignidade da criança, garantidos pelo art. 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo em vista que, ao ser exposta às agressões que o pai comete contra a mãe, o filho tem violada a sua integridade psíquica e fica exposto a um ambiente que lhe intimida, lhe causa medo e lhe constrange.
É por isso, que, no tocante à guarda dos filhos, se torna impossível exercer a guarda compartilhada deles com um histórico de violência doméstica na família. Além de ser uma irresponsabilidade judiciária, é uma tortura psicológica institucional praticada contra a mulher. Vejamos que a condição do art. 1.584 do Código Civil para a aplicação da guarda compartilhada mediante a falta de acordo dos pais é a aptidão de ambos para exercerem a guarda. Logo, o pai, sendo um homem violento, sem qualquer controle de seus atos, descontrolado psicologicamente, é incapaz de tomar as decisões acerca da vida de uma criança vulnerável, completamente dependente de um adulto; bem como é incapaz de manter um diálogo saudável com a mãe, vítima de suas agressões, vez que apenas a agride, fisicamente ou verbalmente.
Do mesmo modo, a aplicação da guarda compartilhada é uma controvérsia legal quando aplicada ainda que a mãe possua uma medida protetiva ou é vítima de violência, afinal, o contato sobre a vida dos filhos será compulsivamente mantido e, portanto, a vítima deixará de ter mantido o seu afastamento do agressor e de ser preservada a sua integridade física/psíquica e seus direitos humanos garantidos pela Lei Maria da Penha e por tratados internacionais assinados pelo Brasil, os quais dispõem dos direitos das mulheres, como a Cedaw e a Convenção de Belém do Pará.
Na realidade, a fixação de guarda compartilha em casos de violência doméstica e familiar, nada mais é do que a perpetuação do ciclo de violência contra a mulher, que será obrigada a dialogar com seu próprio agressor – ou ser agredida por ele. Em outras palavras, será revitimizada, quase que diariamente, porque a relação entre vítima e agressor não é igual, pelo contrário, é totalmente desigual e, justamente por isso, essa modalidade de guarda não deve ser aplicada em situações de violência contra mulher.
Inclusive, embora a guarda compartilhada seja a regra do ordenamento jurídico, o artigo 1.586 do Código Civil, prevê que “havendo motivos graves, o magistrado pode, a bem dos filhos, regular, de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles para com os pais”, ou seja, diante de violação de direitos humanos, que é o caso de violência contra a mulher, o que é extremamente grave, deve o juiz analisar aplicar a guarda unilateral.
Todavia, uma vez que a visão do Poder Judiciário não parte de uma perspectiva da mulher como vulnerável, é imprescindível que, ao buscar a regulamentação da guarda, convivência e pensão dos filhos, a mulher vítima de violência doméstica conte com uma defesa que tenha a perspectiva da opressão histórica do seu gênero na sociedade; isso acontece na advocacia com perspectiva de gênero.
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