Durante todo o processo de socialização dos sexos, são construídos e impostos a homens e mulheres papéis de gênero que moldam o comportamento de cada um na sociedade e que refletem, mais tarde, em suas relações familiares.
A exemplo disso, vemos a forma como as crianças são informadas acerca de seus papéis, logo na infância, através de brinquedos e jogos, sendo que, enquanto às meninas são destinados bonecas, fogõezinhos e panelas, aos meninos são conferidos super-heróis, arminhas e carrinhos.
Ao alcançarem a idade adulta, então, já terão prefixados os seus “lugares” como membros na família: à mulher, cabem os cuidados domésticos e, ao homem, a liderança do lar e o trabalho.
Ao falarmos de cuidado materno, portanto, uma das primeiras coisas que nos vem em mente é o amor incondicional da mãe pelo filho.
Ao falarmos de cuidado materno, portanto, uma das primeiras coisas que nos vem em mente é o amor incondicional da mãe pelo filho.
A mulher é colocada pela sociedade em um papel de gênero onde a sua dedicação incondicional não tem preço e, portanto, é fruto de um instinto materno de carinho e de proteção, quando, na verdade, o meio social dispôs, durante toda a sua vida, de mecanismos que a levassem a essa “aptidão”. A partir dessa convicção, é feita uma divisão desigual de tarefas relativas ao filho, nessa divisão, a mãe detém a maior parcela – quando não toda – dos cuidados com a criança, enquanto ao pai são designadas atribuições “opcionais”, vez que o senso comum é o de que “homem não leva jeito para isso”.
Entretanto, esse papel de amor maternal sem custo cria uma situação problemática e injusta, onde todo o processo de criação da criança se torna obrigatório para a mãe, mas opcional ao pai, de forma a desequilibrar a responsabilidade individual de ambos sobre o filho. Por se tratar, então, de uma desigualdade das responsabilidades sobre a criança, a mãe se vê sobrecarregada de deveres e impossibilitada de se dedicar a outras tarefas e trabalhos que não sejam o filho. Com isso, quero dizer que o cuidado integral que a mãe é obrigada a dedicar aos filhos a impede de ter sua vida pessoal e profissional, forçando a mulher a abdicar da sua liberdade pessoal, do seu trabalho e da sua carreira.
Dentro desse contexto, percebe-se então que a dedicação da mulher na maternidade não é cultivada gratuitamente, pelo contrário, há um custo proveniente desse trabalho e, nessa conta, entra a carreira profissional da qual ela abriu mão, ou seja, ao se dedicar integralmente ao filho para suprir a dedicação inexistente do pai, a mulher deixa de ter o seu próprio emprego e renda, privando-se de ter uma independência financeira, coisa da qual o pai, por outro lado, nunca precisou abdicar.
É a partir dessa conta que entra a tese do Capital Invisível Investido na Maternidade, desenvolvida originalmente pela brilhante advogada, da qual tenho o maior respeito e consideração, Dra. Ana Lucia Dias da Silva Keunecke. Esse capital nada mais é do que o tempo que a mãe investe ao se dedicar ao trabalho materno, tornando-se, portanto, uma despesa, vez que a mãe, ao empregá-lo na criação do filho, deixa de usá-lo para trabalhar fora e construir sua fonte de renda própria e estabilidade financeira.
Segundo a Dra. Ana Lucia Dias,
“Maternagem não é estar responsável por exatamente todos as atribuições com os filhos, porque muitas dessas podem ser delegadas para um profissional; ou, se um dos genitores é o responsável por tais atribuições, certamente ele não conseguirá ser um indivíduo que contribua financeiramente na sociedade. A conta não fecha, sempre vai faltar e tirar de algum lugar. E quando se tira, mas não repõe, certamente estamos afetando o direito humano de uma pessoa de ter uma vida digna e livre de opressões” (Carta Capital, 2019).
A partir da tese desenvolvida pela referida autora, considerando que um dia tem 24 horas e que uma criança ocupa, em média, 10 horas do seu dia dormindo e 5 horas na escola, resta para a mãe ficar responsável pelas outras 9 horas do seu dia. Caso a mãe consiga cumprir 8 horas seguidas de sono no mesmo período em que o filho — isto é, se não precisar acordar durante a noite para atender as necessidades da criança —, sobra para ela apenas 6 ou 7 horas para que trabalhe, estude cuide de si mesma, se alimente, tenha lazer e cumpra diversas outras tarefas pessoais.
Porém, ainda que o pai tenha um regime de convivência regulamentado, seguindo os acordos e sentenças mais comuns, a dedicação à criança persiste desigual, pois, uma vez que os regimes de visitação costumam implicar, por exemplo, na convivência paterna a cada 15 dias, isso significa que — levando em consideração um mês de 30 dias —, o pai é responsável pelo filho por apenas 4 dias, ao passo que a mãe deve estar à disposição do filho durante os outros 26 dias. Convertendo em horas, um mês de 30 dias tem 720h. O pai, nesse caso, dedica, desse tempo, apenas 96 horas voltadas ao filho, já a mãe, é responsável pelas outras 624 horas.
Portanto, o Capital Invisível Investido na Maternidade é de suma importância quando calculamos o valor da pensão alimentícia, afinal, partindo do entendimento de que a dedicação da mãe para com o filho é uma despesa, esse valor deve, consequentemente, ser incluído nos alimentos, como uma forma de o pai reparar os custos do trabalho materno exercido pela mãe. Por outro lado, além da reparação de custos, a tese é uma forma de romper a facultatividade da obrigação paterna, isto é, uma forma de incentivar a participação obrigatória do pai na vida do filho, ao reconhecer que essa, no que lhe condiz, está desequilibrada com a mãe.
No entanto, embora o Capital Invisível Investido na Maternidade seja fundamental para o cálculo justo da pensão alimentícia, a defesa desta tese nos processos de família, atualmente, é realizada tão somente por advogados e advogadas familiaristas que atuam na advocacia com perspectiva de gênero. Isso significa que, ao defender uma tese que leva em consideração o papel de gênero da mãe na maternidade, é necessário empregar uma advocacia que entenda os papéis da mulher e do homem na sociedade e nas famílias.
Portanto, se você, como mãe, deseja que a sua defesa processual seja feita a partir de um ponto de vista que considera, em primeiro lugar, a sua necessidade histórica de reparação de direitos dos quais lhe foram privados na maternidade, é imprescindível ter ao seu lado um advogado(a) familiarista que atue com perspectiva de gênero e que esteja disposto(a) a litigar na sua luta do início ao fim.
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